20.12.07

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eu disse que eu era uma mulher seca, como aquela flor, que eu tanto maltratei, antes de subir no palco.
disse também que por mais seca que eu fosse, por mais que eu não sentisse, eu sonhava. Eu sonhava e era isso que me mantinha viva. E que me fazia sobreviver.
Disse que até ontem achava que o que me punha para baixo era parte inamputável de mim. Mas que eu consegui me livrar. Olhei pra baixo e a vi querendo voltar pra mim. Livrei-me dela. Despedacei a flor em cima dela. Gritei, senti, de verdade.
Disse tudo isso com uma platéia à minha frente, mas sem enxergar nada. Eu parecia em transe. Eu tinha medo de não dar certo, de errar. Mas amarrar-me a ela e vendar-me os olhos enquanto ouvia insultos me trouxe à irrealidade. Como se eu entrasse em transe, era eu, eu não estava atuando.
O que eu disser soará fatal e inteiro! foi o que eu disse, olhando nos olhos dela, com muita raiva.
Um grito de liberdade, como disseram. Citei Clarice, como era minha obrigação citar. Transformei mesmo o texto em um pretexto. E acabou. Acabou num grand finale, eu a ofegar.

Ouvi um elogio mais que sincero. Quer dizer, gosto de acreditar que foi sincero, apesar da minha contraditoriedade interna. Me agradeceram por ter vindo e ter dado a oportunidade de ver aquilo ali. Que era um retrato do alter-ego de cada um. Que todo mundo tem esse conflito interno e houveram arrepios. Adoro arrepios. O dono do elogio me fez chorar horrores na apresentação dele. "Mas a dor é fato". Uma sensibilidade que eu ainda não consegui enxergar em ninguém além. me tocou em lugares que nem eu conhecia, nas fossas abissais das minhas emoções.

Arrepios, afinal. recebi certos apertos de mão, e cumprimentos. Me falaram da fotografia. Sorri. Ouvi críticas também. Mas estava anestesiada, e nada importava. Nada importava.
Esse é o bom do teatro - me deixa penetrar em mim como ninguém jamais fez.