29.11.07

Ápice

Pessoas, que se interpenetram tais quais as palavras, que só atingem o ápice quando afogadas em sentimento, quando fora de qualquer lógica, quando o que se escreve se perfaz em emoção nua e pura. Não a pureza inocente, a pureza bruta e em tons de cinza que eu hesito em conhecer.

Ó, meu bem. Me pergunto o que pra ti é pertencer, dizes que se prende por opção, chamas de amor a posse. A falsa liberdade, que lhe pondera e lhe comede, que tu chamas de amor. Ora, se o amor é posse, esqueça-se livre, pense em ti como prisioneira das más interpretações.

O desapego lembra desalento e abandono, talvez por isso fujas tanto. Eu falo em abandono e vejo tuas lágrimas caírem, você diz nao saber o porquê. Ó, querida. Eu sei.

Digo-te que o mundo gira pela dor e pela melancolia, o amor, meu bem, é segundo plano. Tua pele, ao queimar em febre, pede pela dor que está a chegar! A única explicação para que os indíviduos busquem a posse como amor é mesmo o gosto pela dor, pelo sofrimento.

Somos animais, inconsequentes, loucos, embora tentemos nos racionalizar mais a cada instante, no extase e no ódio somos animais os instintos que nos ferem a pele de tão selvagens, afloram, tão humanos somos nós nesses tempos, ó vida sem nenhum tipo de máscara, uma felicidade bêbada e inconsequente - amar, pra quê?

Encontro meu caminho perante meus instintos.
Tenho tido medo da sua moral mal-regida, meu bem.

26.11.07

Fincar os pés no chão.

quando eu era menor, meu sonho era ser bailarina.
mas as cortinas não se abriram pra mim
e eu dancei durante anos com as cortinas fechadas,
se elas se abrissem, eu despencaria.

desisti. troquei o palco dos teatros pela minha própria vida,
e desde então venho dançando, esperando que as cortinas jamais se abram.
eu iria sufocar com tantos flashes de exposição.
não há bastante masoquismo em mim para sorrir enquanto meus pés se desintegram...
Não é de minha índole falar do que nao sei, por isso me calo, enquanto espero.

e eu, a que espero?
espero um desproposito qualquer, enfiada debaixo de tuas cobertas, seja lá quem você seja, numa noite morna de setembro, depois do ápice da minha noite fugaz.
espero. meus sonhos amadureceram, enquanto eu.. eu continuo a mesma.

21.11.07

IV

Nós, a calçada e o céu.
Só pra nós.
O tempo a se arrastar.
Nos arrasta - São tantos de nós!
A tampa anilada a nos estarrecer.
Derreter.

É só um jogo, é só um jogo.
Só pra ilustrar.

São tantos nós! - Quem dera tu viesses desatar-me.

III

Eu era jovem, e vestia longos vermelhos.
Encoberta - sem pudor.
por dor.
da alma belamente escondida que se recusava a chorar.

Estilhacei-me no tempo.

II

é, parece mesmo um despropósito.

Desvirginar-te os olhos,
Deixar que as cores lhe invadam,
Sentar-me ao léu na esquina da noite,
abrir-lhe a bebida com o vestido, vermelho.
vermelho blasè. Acender um cigarro.
Perder meu corpo no seu, a noite a me engolir.

I

Ao ver a tal despropósito,
a menina fechou os olhos com tanto estrépito
que as pálpebras caíram ao chão.

19.11.07

Memórias póstumas de um amor (?) mal-vivido

"Eu quero é correr mundo, correr perigo"

As opiniões dançam em mim, difícil ser convicta de algo, mas para quê?
Quero mesmo é me perder entre as mudanças, na bagunça que tem sido a minha vida.
Eu tinha escrito antes, uma carta enorme e cheia de sentimentos, mas a perdi em meio à livros e papéis aleatórios que invadiram meu quarto.
Teoricamente era de você que eu falava, e para você. Mas não, ao chegar no fim da carta, percebi que era de mim e para mim. Não que eu realmente pretendesse enviá-la, mas era
eu, que ao lhe reencontrar resolvi entender os motivos da minha repentina confusão.

Eu sorria, e não te olhava nos olhos.
E tinha sono todas as vezes que lhe encontrava.
Meu sono era um pretexto. Aliás, há um tempo tenho vivido de pretextos.
Pretexto pra não ver refletido em teu olhar o meu, e ver o quão falsa eu estava sendo.

Fugia - não de você. Você que nunca importou o suficiente pra isso.
Fugia de mim! de me encarar. Que me encarar tem sido tarefa árdua, já nem mais procuro o espelho antes de sair.

O que me repelia em você eram os teus sonhos - e haviam? Não haviam sonhos. Era a falta de sonhos, era teu mundo vazio. Teu toque nunca me trouxe desejo, jamais.

Eu nunca rezei tanto como rezei quando estava com você - e reza de ateu deve ser levada à sério, meu bem. Tal reza provém da dor e da agonia que já não se pode mais suportar, provém de uma contradição, do desespero. É pedir ajuda, sem saber a quem, é fechar os olhos, depois de muito enxergar. Achei que se ficasse só me livraria do vazio, e rezava para estar só. Ingênua que sou, não percebia que nenhum vazio se preenche com a solidão.

Eu não lhe largava, não sabia exatamente porquê, já que não me fazia nenhum bem. Ego, talvez, mas creio que não. Era o vazio, que eu buscava preencher, era o gosto dos sentimentos contraditórios que eu adorava sentir, um pouco do ódio e da aversão, misturadas à falsa paixão e à falsa euforia. Quando você foi embora, eu ri. Gargalhei. Mas lá no fundo, senti uma leve perda.

Não senti sua falta, embora na minha inocência tenha certas vezes desejado que tivesse aqui, esperando que meu vazio se preenchesse logo de uma vez. Mas esse vazio também não se preenche com tuas palavras vazias, socialmente programadas, que (in)conscientemente repetias em tantos ouvidos, tons repetidos, sem sentimento na voz, sem a transparência que eu gosto de enxergar no olhar alheio. Eu não me deixei enganar por tuas palavras. Estes tons não servem pra mim, meu bem. Meu ouvido não os escuta. Há uma incompatibilidade de tons entre nós.

E hoje eu sei viver com a solidão porque a amo, como amo a mim. Amo de um jeito dilascerante, amo o que eu sei e o que estou para aprender, meus amigos, discos e livros e nada mais, amo olhar para o passado, amo planejar o futuro [ó, incerto futuro!], amo confabular sozinha de madrugada, amo tanto que você em sua superficialidade de alma não entenderia, amo com uma intensidade que jamais lhe caberia.

Depois daquela carta entendi tudo, meu bem. Gostaria de encontrá-la para que visse as palavras originais. Porque ela exalava sentimento, sentimento que você jamais vai conhecer. Agora, bem, vou-me embora de uma só vez, sem jamais voltar a lhe tocar, porque eu agora me conheço bem, eu agora sei me respeitar e sei agir de acordo com as minhas leis, por mais clichê que isso pareça.
O muito ou pouco que houve entre você e eu hoje não passa de memórias póstumas de um amor mal-vivido. Saí e fechei a porta. São raras as portas que fecho. E dessa vez.. Passei a tranca.

14.11.07

Flor

Eu me lembro como se fosse hoje. Foi num ponto de ônibus.
Já tinha a encontrado aleatoriamente aqui e ali, mas ver, mesmo, do jeito que eu via naquele momento, jamais teria sido possível. Os raios de sol, naquele momento, concentraram-se completamente nela, e não havia outro lugar para onde eu pudesse olhar, mesmo se eu quisesse.

Ela apertou as mãos, nervosa. Provavelmente por uma angústia qualquer. Namorados, atrasos, mentiras e isso que faz parte de nossa vida. Suspirou e me perguntou as horas. Na verdade talvez não tenha sido pra mim, o momento não está claro em minha memória, me lembro apenas dela e dos olhos sombreados, com uma olheira aqui e ali, da melancolia sutil por trás dos óculos de aro vermelho. Me lembro que provavelmente ela estava a lembrar-se do namorado, que ela imaginava estar com outra naquele momento. O nome dela era Flor, ela morava em Ondina Morava sozinha, era atriz. Trabalhava com direção de arte e ganhava bem. Era mais bonita, mais simpática, mais culta do que ela. Se vestia melhor. Trepava melhor, também.
E ela não existia - só na convexa imaginação da moça, que divertia-se com o sutil prazer da dor de diminuir-se.


Ela lembra-se da cor dos olhos da mãe. Azul, azul como este céu sem nuvens, de sol escaldante. Fazia calor. Ela seca uma gota de suor em direção aos seios. Lembra-se dos desencantos. Lembra que mentiu pra uma amiga e não sabe o que fazer pra não mentir de novo. Tem unhas vermelhas. Não o vermelho da moda. Vermelho forte e aberto, vivo e berrante. Ela disse à manicure que ela estava livre pra escolher o esmalte. A mulher deve ter passado aquele que ninguém nunca usou. Mas ela até gostou. Combinava com seus óculos.


Ela não era magra. Nem gorda. Não se importava. O que a fez roer unha e borrar o esmalte nesse momento não foi insegurança. Ah, não. Desse mal ela não sofre. Ou finge não sofrer.
Ela tem cabelos bem pretos. E lisos. Bem presos no alto da cabeça. Segura uma bolsa, também vermelha, de cetim. Ela não é bonita. Nem feia. Não se importava. O que a fez borrar o esmalte foi a Flor, foi o gosto da angústia, que ela nunca quis largar. Fechou os olhos, como quem quer esquecer, ou lembrar. Levantou-se.

Eu estava no alto dos meus devaneios sobre a moça, quando ela se foi, sem que eu visse.
Entrou num ônibus que levava ao campo grande e partiu, sem nem olhar pra trás.
E eu morrerei me perguntando se era mesmo uma flor o motivo da sua angústia.

12.11.07

Portas abertas

pagar pelos erros alheios faz parte do ciclo vital.
não lhe aconselho a se esforçar pelo certo.
Lhe dou sim, um bom conselho:
Esqueça-me.

Eu não sirvo pra você, ou pra mim.
Quando passar pelas portas, deixe-as abertas, pra que você possa sair depois.
Não olhe ninguém nos olhos e não responda à nenhum chamado.
Eu perdi a sensibilidade ao toque, mas a minha capacidade de mentir continua intacta.

Não lhe quero aqui, não lhe quero em mim.
Estou bem sozinha.
Olhe nos meus olhos, dá pra ler.

Lembro-me da última vez que lhe disse isto.
Me respondeu que lia nos meus olhos o contrário do que dizia. E talvez, bem, tenha razão.
Só talvez. E viro as costas. Lembrando do teu sorriso e fechando os olhos pra esquecer.

10.11.07

Sobretudo

sobre ondas e mal-vividos sonhos, sobre gente que arde.
sobre aquela voz, que, presa na garganta, jamais pôde ser calada.
sobre quem acorda à noite pra escrever cartas à ninguém.
sobre a noite que se mantém intacta, alheia ao tempo.
sobre a lua, que quando nova perde o brilho.
sobre a mais premente necessidade do ser humano.


sobretudo, sobre tudo.
estou perpassando sobre tudo, revisitando as más vistas, dançando de olhos fechados.
Não estou a voar, mas vejo tudo de cima. O fio de vida que me mantém em pé é rarefeito como o ar ao redor. Observo as cinzas. De velhos textos, de velhas vontades. Daquilo que jamais cheguei a passar a limpo. É inverno agora. E deu no jornal que é o maior frio já visto até então.