4.1.08

Daniel,

Hoje lhe escrevo pra dizer tudo o que não agüento suprimir. Vai desculpando o mal jeito. Não medi palavras.

sinto vontade de rir deste povo que idolatra! que não questiona!
questione, meu bem! tudo! esgote todas as possibilidades antes de formar uma opinião, não se dê à um fato tão fácil assim, não se doe às influências facilmente!

é estranho pra mim que eu precise dizer isso a alguém. tô com a mão no telefone, quase ligando pra te dizer, pra lhe gritar e jogar tudo na sua cara, mas é que eu tenho medo de ouvir sua voz e acabar não falando nada disso. Incrível como sua voz pode mudar meu humor tão facilmente.

podia perder o ar ao lhe ouvir reclamar, eu adorava quando você reclamava, pelo menos protestava, questionava! Ora, detesto tua inércia. E tinha vontade de ir pra cama com você toda vez que você me manda largar o cigarro. Com aquela cara de aborrecido, e me beija, depois, contrariado. Isso é uma confissão, mon'amour, das mais íntimas. Já pensei em largar o cigarro várias vezes, mas desisti, pensando que se largasse, você jamais me pediria pra largar outra vez, temia que isso abalasse meu tesão.
Sinto arrepios que não gosto de admitir quando me chama de 'meu bem' e dá aquela risadinha irônica de merda que me seduziu naquela vez.

Ah, mas naquela vez eu estava bêbada. Aliás, ou foi você que mudou do vinho pra água, lindinho, ou fui eu que só recuperei minha sobriedade agora. Não me toca mais do mesmo jeito, acho que se preocupa tanto com explicações que não deixa o corpo fluir, deixa de tentar racionalizar tudo! você não era assim. Sexo é uma experiência que se narrada perde o encanto, pra que você quer falar tanto?

Pode falar, mas fala as palavras sem controle, fala sem pensar, sabe, fala ofegando o que o êxtase não lhe deixa calar, não fica tentando racionalizar o sexo, não lê livrinhos de como enlouquecer uma mulher. Isso é repugnante.

E fica cheio do ciuminho! Porra, Daniel, você sabe muito bem que eu sou livre demais pra você, não é, sabe que não sirvo pra me prender, que não pertenço nem a mim. lhe avisei isso desde a primeira vez. Agora você vem com essa? fui fiel a você esses três anos, pra você desconfiar?


Eu não sou uma mulher comum. Não te atrairia se fosse. Lembro dagente sentado na calçada de um país qualquer, sem um tostão, tomando uma cerveja cujo idioma no rótulo nem sabíamos qual era, rindo horrores e discutindo todas as suas teorias da vida. Lembro da gente em casa, sem querer sair da cama por 3 dias seguidos.

Você não é mais esse homem. Não é. Naquele dia fui embora quando você entrou no banho porque tinha nojo de você. Não suportava o fato de que você ia sair do banheiro e vir me beijar, ora, o beijo que eu tanto banalizei, teria um significado ali. Não suportaria olhar na sua cara e ver no que você se transformou. Num velho, Daniel. O corpo continua intacto, você agora inventou de correr 10km todo dia. Mas é um velho sim, em todos os outros sentidos, na cama, na mente, no coração! Morre todos os dias um pedaço do pouco que ainda há de bom em você, mas você deixa. deixa, nessa inércia.


Diz que o idealismo é coisa pra jovens, que paixão é coisa pra jovem, que queria mesmo era ficar aqui nesse apartamento sujo, pequeno e bagunçado saindo pra trabalhar atrasado todo dia. Chegando à noite e me encontrando lá, com hora marcada pro sexo, pra sentarmos e vermos tv a vida inteira. Eu tenho mais o que fazer, Daniel, francamente. Me dá nojo.

Você acha que sou sua mãe. Que vou cuidar de você pra sempre, não importa o quão grosso você seja. Devia ter-lhe cuspido a cara naquele dia. Nunca mais você ia erguer as mãos pra mim.Não que eu achasse que você ia mesmo me bater, você precisa demais de mim pra isso. Você no auge dos seus 35 anos esperando colo, Daniel.

Me livro de você como me livraria de um encosto, de um vício! O problema com tua voz é que ela me lembra um daniel que eu ainda amo, mas que não existe mais. Le temps détruit tout. Levou de mim o meu ar, você era o meu ar, me fazia querer mais e mais e mais de mim, de nós, da vida!

Agora, espera a morte com esta cara inexpressiva defronte à tevê.
Não vou dizer que não chorei. Chorei de raiva. De você e do tempo.
Le temps détruit tout. você que me disse, na calçada, em Paris. É. era em Paris. Agora me lembrei.


Adeus, Daniel. Se recomponha, se puder fazer isso sozinho, se não continue aí no chão, me olhando com esta cara de súplica. Não vou te ajudar. Não de novo. Me esqueça. A chuva já passou por aqui, eu mesma que cuidei de secar.

Ah, e eu larguei o cigarro. Adeus.
Rita.