31.12.07

Sobre os fins.

Malfadados fins, sempre sós.
Ainda que reze para que o fim chegue,
O que se espera é o início. Novos e novos inícios.
Ninguém compreende a sutil beleza de um fim,
aprender a interpretar olhares de despedida
comover-se com a melancolia de tentativas de novos inícios afogadas de álcool em noites sem cor.
Ninguém enxerga o valor da desilusão.
Os fins levam tudo embora, até dores mal-cuidadas,
até amores mal-curados.
Findam o silêncio e a música, findam a paixão e o desespero.
Quando agoniar-se, inquietar-se, quando tentares dormir em vão, quando sentir as lágrimas brotando por vontade própria dos teus olhos, quase afogados de tantas lágrimas, quando sentir o gosto amargo do desespero,

Absorva o fim, toque-o, aproveite-o, sinta-o com as mãos, trate-o bem como merece!

Amanhã, jogarei as mãos aos céus e agradecerei ao fim por levar tudo embora num átimo de segundo - sem nem tempo pra lembrar. Sorrir, rir, gargalhar. Anestesiada pelo fim.

28.12.07

Feliz Ano Velho.

Quando chega o fim do ano, é natural começar a pensar no que foi o ano que passou.
Este ano foi tão rápido, mas arrastou-se dentro de mim. Como se eu o tivesse empurrando em direção ao seu fim. Porque não, ele não foi dos mais agradáveis. Foi um ano de solidão. Não da solidão no pior dos sentidos, mas de estar só. Lembro-me claramente de andar sozinha no British Museum, e no que eu escrevi naquele dia, no meu caderninho de viagens. Prefiro a minha própria companhia. Foi um ano de beijos vazios - todos eles, sem exceção. Não busquei me relacionar. Descobri também que não quero tantas pessoas em minha vida. Conheci tanta gente, tanta gente sem propósito. Gosto de gente que me faça querer pensar.
Eu apareci na televisão, em 2007. Pra mostrar meu maior fracasso :)
Este ano eu pude ver o que é perder. O que é apostar todas as suas fichas, dedicar seu tempo das sete da manhã às nove horas da noite todo santo dia, sem tempo pra comer ou pensar, pegar ônibus lotado sem saber pra onde, perder rios em dinheiro, perder aulas que você sabe que não pode perder. Soube o que é perguntar-se se vale a pena. Soube o que é tornar-me responsável de uma hora pra outra. E soube o que é ver nenhum reconhecimento. É, meu bem. Eu não vou esquecer. 113 votos. Talvez não fosse tão importante assim...
Lembro-me bem, que tomei umas latas de cerveja e cheguei até a rir, depois, mas isso é natural, rir do nosso próprio fracasso, ri das minhas lágrimas que ainda nem tinham secado. É o poder do álcool. :)
Penso em 2007 e vejo claramente 4 fases. A primeira e a melhor de todas, regada à êxtase, cigarros, cerveja e carnaval, beijos muitos e bons, promiscuidade à flor da pele, e quem vai se importar? Depois veio a fase só. Amigos que se afastam em segundos, ora, cada dia me surpreendo mais com a efemeridade das relações. Dessa fase, lembro-me claramente do fim. Beijos proibidos regados à tequila num banheiro pequeno. E lágrimas no dia seguinte. Parece um drama, uma novela. E a terceira e melhor das fases, a viagem. Cuja importância não dá pra descrever. E a quarta fase, a fase em que eu me encontro agora. Uma fase mais tranquila. Cheia de inseguranças, cheia de altos e baixos. E com muito tédio. Tão tranquila. Fase de voltar pra casa antes da festa começar.

Há muito o que mudar, pra começar tenho que ser menos ingênua. Não sei até quando posso suportar as pessoas dizendo que eu sou precocemente madura, e coisas do tipo. eu não sou. Sou tão bobinha, tão inocente. Ainda espero alguém pra me impressionar, eu ainda sonho. Não espremeram minhas emoções até o fim.

Lembro-me que chorei nos instrumentais do teatro (mas a dor é fato), lembro-me que ri sozinha de livros que lia. Escrevi mais, li mais. Pensei mais. E que venha o novo ano. As novas dores. Meus novos quereres, minhas novas lembranças.

Nenhum dos pedidos que fiz na virada do ano se realizou. Mas foi bom assim, há coisas que eu acabei aprendendo com essas novas fases que eu nem sonhava em saber. Eu cresci - e vou mudar ainda mais nesse novo ano. Sinto-me tão incoerente falando de anos, sabemos nós que anos são determinações do ser humano, que é mais uma estratégia pra que o indivíduo esvazie seu tédio e encha-se de falsas esperanças a cada 365 dias. Talvez seja o máximo que possa aguentar, porque no fim o que resta é um céu sem fogos, todo mundo igual, uma praia suja e uma garrafa de sidra quebrada no chão. Eu vou mudar sim, daqui pro fim de 2008. Mas no dia 31 de dezembro, quando os fogos estourarem, a única mudança vai ser a falsa sensação de esperança que vai se instalar em mim.

26.12.07

a thousand miles away

quilômetros nos separam.
digo a mim o tempo inteiro: mantenha um abismo e meio de distância daqueles que são iguais a você.
mas é que me incomoda, e é esse incômodo que me atrai, que não me deixa fugir.


acho que o que eu mais gosto em você é o fato de ter de lhe esconder isso;
é incomôdo e me satisfaz - o que posso querer mais? :)

24.12.07

A flor amarela.

Ela era bonita. Bem bonita.
Bonita é pouco! Era esplêndida.
Quando encontrei-a, me fugiu o ar dos pulmões.
Olhei pra um lado, olhei pro outro, e fui falar com ela.

Ela pareceu surpresa de me ver. Mas por quê? Estranhos abordando-a na rua não devem ser apenas raros incidentes. Contei-lhe que estava impressionado. Ela ruborizou - ruborizou! pode acreditar nisso? Eu custei a acreditar. A beleza moderna se putrefaz em sua superficialidade, quase já não se vê belos rostos ruborizados por aí. Os elogios banalizaram-se, as belas palavras tornaram-se clichê. O belo hoje tem consciência que é belo, e dizer isto a ele não faz com que esboce qualquer reação. A beleza nos novos tempos é amiga inseparável do ego. Ó, ego, que está sempre a aumentar a cada ínfima parte do tempo. E para ruborizar-se, algo há de mexer em nós, por dentro, é deixar a emoção aflorar antes mesmo de pensar em escondê-la. Os belos não ruborizam mais.

Mas ela não. Ela, no alto em sua beleza, beleza que há de se contemplar, uma tez rosada, como se fosse corada permanentemente, como se sentisse a todo o tempo. Era sem dúvida um ser sentimental. Cabelos lisos, pendendo ao lado do rosto, mal cuidados, é verdade, e meio sem cor, de tantas tintas que já aplicou, mas e aqueles olhos? Os olhos...Olhos de sonho. Olhos raríssimos de se ver, ainda mais agora que não se sonha mais, que sonhar é privilégio dos tolos, que a vida se baseia falsamente na razão.
O corpo era sim a mistura perfeita entre menina e mulher, eu não saberia dizer a idade dela, não saberia dizer o seu nome. Observei-a de perto. Ela parecia tentar fugir. Não sabia exatamente se de mim ou de sua própria beleza. Senti compaixão, pena. Agora sim via claramente. Uma menina, apenas. Uma criança. Levei minha mão a teu rosto.

Pensei por um segundo ter visto um lampejo de ternura em seu olhar, mas não. Ela olhou-me com desdém, como se eu fosse um estranho - e eu era, afinal. E foram poucos os segundos que separaram esse olhar do momento seguinte, embora pra mim a crueldade desse olhar tenha-o feito parecer durar muito mais. Como uma menina bonita dessas poderia olhar-me de forma tão cruel? Mas a crueldade não deformou-lhe a face, pelo contrário, deixou-a ainda mais bela. Não tive tempo para tirar minhas conclusões, ela já estava andando rápido na outra direção e sumindo entre os muitos rostos que andavam rumo ao que desconheço.

Achei ter-la perdido de vista, e acendi um cigarro melancolicamente, imaginando ter-lhe estragado o dia. O que passou pela minha cabeça? Perguntava-me mil e uma possibilidades para não ter posto tudo - que tudo? - a perder. "Ah, eu sempre perco" - Pensei. Foi quando vi.
Ela esteve em minha frente por mais de meia hora, enquanto fumava, no bistrô em frente. Não era um bistrô. É que bistrô me faz lembrar Paris, e eu pensei deixar a história mais romântica. Era uma loja de fast food bem lotada e cheia de funcionários (escravos). E ela ali, com os olhos opacos, sem sonhos dentro deles. Atrás de um balcão escrupulosamente limpo, porque a gerente exigia que fosse assim. Um pouquinho só de sujeira talvez fosse bem-vindo, talvez não a visse se debruçar para limpar o balcão tantas vezes ao dia. Os cabelos presos no alto da cabeça, cheio de fios soltos. Um uniforme cinza e ridículo, que a ofuscava ainda mais. Mal suportava vê-la debruçada sobre esse balcão, desperdiçando a beleza que lhe foi dada, não é justo com os deuses, pequena. Não é justo comigo, com você.

Suportei vê-la ouvindo a chefe gritar meio mundo de humilhações, ao achar uma parte do balcão que ainda não fôra limpa. Vi seus olhos sem sonhos encherem-se de lágrimas. Manteve-se calada e muito quieta. Trocar sonhos por lágrimas. Como pôde? É, tolos são os que sonham, os que sentirão mais tarde o sabor de fel da desilusão. Comprei-lhe uma rosa amarela. Amarela para lhe dar forças, era do que precisava. Fui no seu caixa. "Boa tarde, minha senhora". "O que queres?" - ela perguntou, me reconhecendo. Estendi a flor pra ela e fui-me embora antes de ver o sorriso na sua face, antes de ver que a chefe lhe tomou a flor das mãos segundos depois e despedaçou-a no chão, antes de ver que ela catou os restos sem que a chefe visse, enquanto estava sendo demitida, e saiu dançando da loja, de tão feliz. Sem ver que devolvi o brilho aos olhos dela e sem nunca saber que a partir daquela noite, a cada rosto na rua que ela olhasse ela procuraria o meu, o do homem que, segundo ela, salvou a sua vida.

23.12.07

o cheiro dos meus próprios cabelos

Me retiro à insignificância. à indiferença e ao mau gosto.
retiro-me ao desespero. agarro-me a ele.
sinto o cheiro dos meus próprios cabelos.
despenteada e suja. Eu acordei e estava nua. Me vesti das más companhias.
esqueci os bons dias, recortei-os cuidadosamente da minha memória.
releio meus textos e rio deles, de tão ridículos.
as águas caem, repugnantes, nos bueiros do jardim, tal qual meus olhos hoje fecham-se, por já não mais querer enxergar.
não me importa o cheiro que as flores exalam.
já não me importam suas cores.
tudo o que vivo é uma realidade bêbada que anseia por um passado inalcançável.
passado? ora, que passado!
não o quero, leve o pra longe de mim.
agonia! a cabeça a rodopiar. não me toque.
Escute bem o que eu digo: Não me toque.
perdi a sensibilidade ao toque. perdi a sensibilidade...

21.12.07

ensaio sobre os bons livros.

eu de longe. observo. sem me envolver.
sentimentos amadurecem.
visivelmente, amadurecem.

há sentimentos que eu nao acreditava existir - que eu imaginava instintos.
não são. simples letras impressas num papel os despertaram em mim.
há poucos livros que me tragam à esse estado.
rir e chorar num espaço de poucos segundos, não conseguir parar de ler até que o fim chegue.
e lamentar o fim, quando ele chega.


Letras podem disfarçar a dor. Cegá-la. Aliviá-la. Entorpecê-la.
Mas a dor é fato.

20.12.07

=

eu disse que eu era uma mulher seca, como aquela flor, que eu tanto maltratei, antes de subir no palco.
disse também que por mais seca que eu fosse, por mais que eu não sentisse, eu sonhava. Eu sonhava e era isso que me mantinha viva. E que me fazia sobreviver.
Disse que até ontem achava que o que me punha para baixo era parte inamputável de mim. Mas que eu consegui me livrar. Olhei pra baixo e a vi querendo voltar pra mim. Livrei-me dela. Despedacei a flor em cima dela. Gritei, senti, de verdade.
Disse tudo isso com uma platéia à minha frente, mas sem enxergar nada. Eu parecia em transe. Eu tinha medo de não dar certo, de errar. Mas amarrar-me a ela e vendar-me os olhos enquanto ouvia insultos me trouxe à irrealidade. Como se eu entrasse em transe, era eu, eu não estava atuando.
O que eu disser soará fatal e inteiro! foi o que eu disse, olhando nos olhos dela, com muita raiva.
Um grito de liberdade, como disseram. Citei Clarice, como era minha obrigação citar. Transformei mesmo o texto em um pretexto. E acabou. Acabou num grand finale, eu a ofegar.

Ouvi um elogio mais que sincero. Quer dizer, gosto de acreditar que foi sincero, apesar da minha contraditoriedade interna. Me agradeceram por ter vindo e ter dado a oportunidade de ver aquilo ali. Que era um retrato do alter-ego de cada um. Que todo mundo tem esse conflito interno e houveram arrepios. Adoro arrepios. O dono do elogio me fez chorar horrores na apresentação dele. "Mas a dor é fato". Uma sensibilidade que eu ainda não consegui enxergar em ninguém além. me tocou em lugares que nem eu conhecia, nas fossas abissais das minhas emoções.

Arrepios, afinal. recebi certos apertos de mão, e cumprimentos. Me falaram da fotografia. Sorri. Ouvi críticas também. Mas estava anestesiada, e nada importava. Nada importava.
Esse é o bom do teatro - me deixa penetrar em mim como ninguém jamais fez.

18.12.07

ansiedade

Sempre gostei de fazer aquilo que não fui preparada pra fazer.
Sempre gostei de deixar pra última hora e me virar em mil pra resolver.

Não há mais boas sortes sinceros, em alguns minutos vou me amarrar e desamarrar.
Prender e desprender. Aguentar alguns insultos.
com uma crítica platéia a aplaudir.

15.12.07

nãosaber

Eu não sei seu nome. Não conheço as linhas do teu rosto.
Nunca ouvi o teu grito nem o teu sussurro.
Eu não conheço a textura da tua pele. Não sei que músicas cantas no banho.
Não sei que horas acorda, não sei o que te faz sonhar.
O que te enlouquece. Não conheço as entrelinhas dos seus prazeres.
seus desprazeres. Desconheço-os todos.
Não conheço teu cheiro, a cor dos teus cabelos.
Se eles se enrolam ou se apenas caem em linhas sem ondas.
Não sei ler as linhas da tua mão, não conheço o teu destino.
Não sei teus sonhos de cor, não enxergo as mesmas cores que você.
Poderia passar dias a me perguntar para onde leva o seu horizonte, que jamais saberia responder. Tampouco sei para onde apontam suas vontades.
Não sei como você está, se meu rosto já se cruzou com o seu numa dessas avenidas.
se o meu olhar refletiu o seu sem saber, se nos esbarramos no vai não vem dessa vida sem propopósito.


Mas sinto-te em cada nota que o som emite, sinto-te em cada letra que eu escrevo.
E espero. E como espero.

10.12.07

Devaneios recíprocos.

Ela pensou nele antes de dormir, ele sentiu uma pontada no estômago quando a viu.
Ambos sabiam - estavam ligados de alguma forma.
Ela desacreditou do amor há tempos, a razão a sustentava, não sem dor.
Ele, entre tantas que lhe apareciam, desaprendeu a valorizá-las. Poucas eram as que mereciam. Ele não sabia selecionar.
Ela se perguntava o nome dele, se perguntava o que ele fazia. Ele não era bonito.
Ele viu nela alguém diferente. Alguém do outro extremo. De outra realidade.
Pertencente a um outro quadrante. viam-se opostos, e isso os atraía.
não é o clichê do 'opostos se atraem'. é o desejo visceral de completar o que falta em si, de encaixar-se na parte contrária. mas sabiam que ao fim da temporada de espetáculos jamais se reveriam, sabiam que jamais se tocariam. era uma agonia o que os preenchia, mas era alívio também. era bom devanear.

A beleza dela era diferente, era marcada pelo que havia por dentro.
O que ele queria era saber o que há por dentro. E o que há por fora.
O elo que os ligava era mais que físico, mas era físico também. Ele a desejava.


Ele dançava, ela era atriz.
Se encontraram por obra do acaso. No camarim, ela fitava o chão, dentro de seu próprio universo.
Ele notou que ela não estava bem - como notara?


- A gente trabalha com o corpo. O corpo não mente.
Foi essa a justificativa que ele deu. Ela se surpreendeu. Quis passar a noite a explicar-lhe o que a angustiava. Quis pegar-lhe a mão e pôr em seu rosto - tal repentina vontade de sentir a textura da sua pele. Demorou um minuto pra responder, em que se olharam. Ambos curiosos, ela tímida. Ele esperou a resposta, em vão. Era hora de entrar no palco - corre! 7, 8! E um tango os separou.

Ele a queria. Tentou arrancar-lhe sorrisos, sem sucesso. Mal sabia ele, que ao ir dormir àquela noite, ela sorriu - lembrando-se dele.



No último dia do espetáculo despediram-se num abraço. Com saudades do que não aconteceu.
Foi a única vez que ele a viu sorrir.